SALPICOS DE CULTURA.....
«Histórias de outros tempos»
Caros acompanhantes da leitura destes pequenos textos que vou escrevendo, é com alguma regularidade que gosto de fazer o exercício de olhar um pouco para aquilo que outros, antes de nós, fizeram. Não porque goste de me prender ao passado para ao mesmo ficar amarrado, mas para ir vendo se o caminhar que a humanidade vai transcorrendo já passou por situações das quais se possam tirar ensinamentos, ou até para que pequenas histórias de vida, vividas pelos nossos antecedentes, nos permitam ir achando graça ao andar por cá.
Um dos aspetos que por vezes me surpreende é o facto de sentir que muitos dos atuais habitantes deste nosso planeta parecem pensar que certas preocupações que vamos tendo com o mesmo, são atenções de uma modernidade que em nada tem a ver com o passado. Penso que as coisas não são bem assim. Se não vejamos. Desta vez lembrei-me de retornar por um lado ao que na Roma antiga terá acontecido, como de histórias que com regularidade se contam sobre os filósofos gregos. Lembrei-me de começar por Plínio, pensador romano que terá vivido entre 23 a 79, d. C. veja-se bem. Porquê? Porque dizendo-se dele que andava na rua como se não pertencesse a este mundo nem dava conta de muitos dos fenómenos que aconteciam a sua roda. Então justamente por ser tão amante do estudo da atividade vulcânica terá, dizem, morrido, por não se ter apercebido que as inalações dos gases sulfúricos de um vulcão que foi observar lhe causavam perigo de vida. Morreu por via das inalações que respirou.
Mas outas histórias podem também permitir aproximações interessantes, e para isso vou voltar à Grécia antiga. É de Pitágoras que vou contar os próximos episódios. Muitos dos estudiosos, quando falam deste grego, acham que estão a falar de um autêntico mito, de tal mistério está envolta a sua vida. Percebe-se que assim seja. Senão vejamos, dele se dizia, por exemplo, que a parte interna da sua coxa era feita de ouro, dele se afirmava que o ouvia a falar com os rios, dele se dizia ainda que tinha uma memória de tal forma acutilante que se lembrava literalmente de tudo o que lhe tinha acontecido na vida, desde os factos mais relevantes, até aos mais insignificantes, mesmo até daqueles que lhe tinham acontecido em vidas passadas.
Pitágoras acreditava na transmigração das almas. Claro que uma personagem tão estranha não podia deixar de ter as suas coisas particulares. Não comia salmonetes e abominava os ovos. Dava por conselho que só se tivessem relações sexuais no inverno, e nunca no verão. Formou uma escola, mas entre muitas das particularidades que impunha a quem a frequentava, uma não deixa de ser curiosa, não só impunha aos seus discípulos que se mantivessem calados durante cinco anos, como também obrigava a que ouvissem os seus discursos sem o verem.
Pitágoras só saía de noite, como se de um morcego se tratasse, e é referido que não gostava de feijões. Primeiro por serem causa de flatulência, depois por razões estéticas, ainda porque, segundo ele, pareciam testículos. Também por razões políticas, já que estes eram usados nas eleições e estas conduziam a oligarquias. Por fim, por razões médicas já que segundo o filósofo os feijões apropriavam-se do sopro da vida.
Contudo o que mais bizarro nos parece poder-se contar sobre o Pitágoras tão estranho tem justamente a ver com esta fobia tão exótica. Segundo alguns estudiosos terá conduzido mesmo à sua perdição. Conta-se que um dia o filósofo estava numa casa, reunido com os seus discípulos, quando um tal Cilo, um homem poderoso que Pitágoras ofendera, deitou fogo à casa. Por lealdade para com o mestre, os discípulos formaram uma barreira para o proteger e inevitavelmente acabaram por se queimar. Pitágoras pôde, contudo, fugir, mas malícia das malícias, foi dar a um campo onde cresciam feijões. Então, fiel às suas convicções, estacou e resolveu não atravessar o campo. Claro que como consequência, não foi difícil ser apanhado pelos sequazes de Cilo.
Bem, o que destas histórias se pode extrair é que afinal a vida do homem, de qualquer homem, tem sempre algo de singular, e por vezes muito de bizarro. Seja outrora ou agora, que fazer? Pode perguntar-se. Por mim não há senão que aceitá-la tal como ela se nos propõe. Fácil responder a este desígnio? Não, penso, sobretudo porque sendo a mesmo, mais ou menos fácil, exige aquilo que os filósofos gregos tanto valorizavam. Caminhar no trilho da sabedoria.
Despeço-me com amizade, até à próxima semana...
Luís Barbosa*
*Investigador em psicologia e ciências da educação
SALPICOS DE CULTURA, uma parceria com a Associação Internacional de Estudos Sobre a Mente e o Pensamento (AIEMP)