SALPICOS DE CULTURA.....
«Sociedade e mudança de mentalidades»
Nos dias de hoje existem duas questões que se tornaram muito correntes: saber qual a influência do ambiente nos nossos comportamentos e ter em conta o que se aceita por normal. É então com extrema regularidade que ouço e vejo muita gente tecer considerações sobre este ou aquele comportamento e, não raro, fazer até ousados juízos sobre a forma como esta ou aquela pessoa se manifesta. Claro que não vou aqui tecer considerações éticas sobre os mais diversos modos de cada um se comportar. Mas parece-me que se pode aceitar que é com facilidade que ouvimos, um pouco aqui e ali, pessoas várias, não só comentarem com facilidade a vida alheia, como até tecer considerações de natureza ética face ao que lhes parece ser, bem ou mal, executado.
Vivi durante muitos anos sob a alçada de um regime político onde nada se podia fazer, ou até nada se podia dizer. Lembro-me bem de como se ansiava pela mudança de regime, e de como se formulava nas mentes a ideia de que se o facto acontecesse, certamente que um dos ganhos seria poder-se ter a liberdade de se manifestarem, sem restrições, as mais diversas opiniões. Vivo agora num regime que sucedeu ao anterior e onde a liberdade de expressão é, felizmente, incomensuravelmente maior.
Contudo, venho observando que alguns dos tiques sociais que mais mereciam crítica vão-se mantendo. Um deles prendia-se, ao tempo, com o facto de a justiça ser lenta e facilmente permeável a interesses diversos. Um outro tinha por referência o sistema escolar que se achava então obsoleto e desligado da realidade.
Bem, ser aqui velho do restelo e cair na estafada esparrela de dizer que em Portugal vive-se hoje como outrora, é algo que não perfilho. A democracia em que vivemos mudou este país de forma mais que evidente. Porém, não deixo de achar curioso que, face às questões da justiça, continuo a ouvir os mesmos slogans que então eram timbre. Claro que falando com muitas pessoas tenho de dizer que é comum ouvir que hoje há mais intervenção judiciária que antes, e uma das frases bem evidenciadas, é que “desta vez até os poderosos se sentam no banco dos réus”. Contudo, face às últimas noticias que venho ouvindo e lendo, interrogo-me quanto a saber se de facto ainda não andam muitos interesses a tornar a justiça lenta e a sujeitá-la aos tais interesses que a fazem parar.
Não sendo jurista, e não querendo entrar em seara alheia, apenas me quero colocar aqui na pele de quem gosta mais de abordar estas questões pelo lado da Psicologia e da Educação. É que, quanto a mim, um dos ganhos que este novo regime trouxe foi o de se poder dizer de viva voz o que se pensa bem e mal executado, ou seja, fazer com que a vontade dos cidadãos seja soberana. É bom que este princípio prevaleça, mas cuidado. É que ao aceitá-lo, está-se a aceitar também que as vicissitudes dos sistemas sejam da responsabilidade desses mesmos cidadãos. Então tornou-se normal e lógico ouvir-se dizer que se a justiça é lenta, é porque o homem assim o quer, e se ela vive enviesada é porque os seres humanos que habitam no contexto, o deixam. Sei que são opiniões que poderão merecer comentários diversos, contudo o que penso mesmo é que tais comportamentos sociais têm mesmo a ver com a forma como nós humanos vamos deixando que as sociedades se construam.
Quando em causa está tecer considerações sobre estes assuntos gosto de me socorrer de dois autores que me serviram de referência quando ainda caminhava os trilhos da formação académica. Um é Grégory Michel e o outro tem por nome Diane Purper-Ouakil. A sua obra de referência foi escrita em conjunto, e deram-lhe o nome “Personalidade e Desenvolvimento – Do normal ao Patológico”. Editada em Portugal pelo Instituto Piaget, foi publicada em 2009. Os autores falam da questão da personalidade, ou seja, da tal coisa que segundo minha opinião, tem muito a ver com o facto de nós deixarmos que as coisas aconteçam como acontecem. Os autores começam por colocar três interrogações: Como definir a personalidade? Será que esta depende do nosso ambiente social, da nossa educação? E por fim, perguntam se esta personalidade varia ao longo do tempo?
Os autores deixam na obra escritas as mais diversas conceções que se foram criando em torno deste conceito. Porém, na página 32, expressam a sua própria opinião dizendo, passo a citar: “A personalidade corresponde a uma organização dinâmica que caracteriza um conjunto de padrões de comportamento, de pensamento, de sentimento, que se molda temporalmente favorecendo as adaptações especificas do indivíduo ao seu meio”.
Acho interessante esta noção de personalidade porque então, se aquilo que gostaríamos que mudasse, e não muda assim tanto, tem mesmo a ver com a força com que ainda, no nosso meio, se exerce a influência de comportamentos que, pensando nós já estarem alterados, se mantêm presos às amarras dos contextos antigos em que foram criados. Desistir de investir na mudança? Por mim penso que não, já que como diz o povo “água mole em pedra dura tanto dá até que fura”.
Despeço-me com amizade,
Luís Barbosa*
*Investigador em psicologia e ciências da educação
SALPICOS DE CULTURA, uma parceria com a Associação Internacional de Estudos Sobre a Mente e o Pensamento (AIEMP)