O Instituto Património Cultural abriu um procedimento para a classificação de âmbito nacional da Quinta do Vale da Lousa, em Sardoal, propriedade que pertenceu a Manoel Constâncio, cirurgião da Casa Real, segundo publicado hoje em Diário da República (DR).
O presidente da Câmara Municipal de Sardoal (Santarém) disse hoje à Lusa que a Quinta do Vale da Lousa, situada junto à Estrada Municipal 532, “é uma quinta lindíssima, um espaço lindíssimo, com alguma história”, que pertenceu a Manoel Constâncio, nomeado em 1786 como cirurgião da Casa Real, tendo sido médico de três reis: D. José, D. Maria I e D. João VI, espaço que, inclusive, “terá servido de refúgio a Manuel Maria Bocage”, na fuga ao intendente Pina Manique.
“A quinta, chamada também de Manoel Constâncio, que foi um grande cirurgião, aliás, o Hospital de Abrantes tem o nome de Hospital Dr. Manoel Constâncio, que viveu lá na segunda metade do século XVIII, e é uma quinta que tem uma história, não só a do Dr. Manoel Constâncio, que fez ali os seus investimentos, mas também consta que Bocage por aqui passou”, declarou Miguel Borges.
Segundo o autarca, “Bocage, em 1797, que teria na altura 30 e poucos anos, fugindo do intendente Pina Manique, sendo amigo dos filhos do Dr. Manoel Constâncio, refugiou-se aqui nesta quinta”, que é privada, notou.
“É uma quinta privada e há interesse da parte dos proprietários nesta classificação e faz todo o sentido, porque com a classificação do património de interesse nacional é dado também um conjunto de obrigações para a sua preservação e manutenção, não só daquilo que é a história que encerra em volta dela, mas também de todo o património arquitetónico e artístico que pode estar nesta quinta, e que tem algum”, salientou.
Manuel Maria du Bocage ficou conhecido por ser um grande poeta mas também por ser um inadaptado aos convencionalismos do século XVIII.
Autor de poemas satíricos, eróticos e burlescos, foi acusado de “herético perigoso e dissoluto de costumes” e preso pela Inquisição.
A Quinta do Valle da Louza, designação original, serviu-lhe de refúgio na fuga ao intendente Pina Manique. A propriedade pertencia ao Dr. Manoel Constâncio, cirurgião da Casa Real, que dá nome ao hospital de Abrantes – e pai de Margarida, que seria a sua musa inspiradora.
Manoel Constâncio terá recebido por temporadas na sua quinta o poeta Manuel Maria du Bocage, grande amigo dos seus três filhos, e a sua filha, Maria Margarida Rita Constâncio, será a “Marília” e “Ritália” dos poemas de amor que escreveu, e que alguns estudiosos dizem ter sido a grande paixão de Bocage.
Quando se conheceram, Maria Margarida Constâncio teria 14 anos, Bocage 32 – e esse amor jamais foi consentido por Manoel Constâncio.
Cirurgião do reino, Manoel Constâncio estava a par das correntes artísticas da época e transpôs para o Valle da Louza canais de irrigação e métodos de conservação da água utilizados nos jardins do palácio de Queluz, sendo a quinta rodeada de largos hectares de bosques e floresta.
A construção da Quinta terá começado em 1760, com a edificação da casa primitiva, a capela, o celeiro, alguns jardins, tanques, fontes, minas, caleiras, caminhos, terraços agrícolas a serem construídos até perto do ano 1800.
A casa atualmente existente foi edificada na segunda metade do século XIX, a partir do celeiro, para além de outros jardins (em patamares), lagos e grutas, mantendo até há poucos anos inalterável o espaço original.
De acordo com o anúncio publicado hoje, o sítio em vias de classificação e a área envolvente (50 metros contados a partir dos seus limites externos) ficam sujeitos uma proteção, de acordo com a lei em vigor.
Poderão ser apresentadas reclamações ou interpor recurso hierárquico do ato que decide a abertura do procedimento de classificação.
Lusa